Trilhos do Vazio
Já
era final de tarde, mas ainda havia bastante ruído da multidão, desço a
escadaria que como um funil, ecoa, fazendo o som ainda mais evidente. Mas não é
apenas o som que me desorienta, o cheiro de doce também toma conta daquele
espaço. Não se enganem com o que seus olhos veem, é a antiga maria fumaça
invadindo seu espaço, soltando sua nuvem para adormecê-los.
Praça,
loja, restaurante, um mix de
entretenimento que leva a multidão, como uma boiada que segue os trilhos sem
saber seu destino. Só não entendo o que aquela farmácia faz ali, apesar da
conveniência, causa estranheza. Há uma em cada esquina. Talvez a sociedade esteja adoecendo,
isso explicaria o cheiro de doce, que atende a carência dos necessitados, descontrolados
e sem desculpas para resistir tamanha sedução.
Os
corredores são amplos - quanto mais gente melhor, mais admiradores para as
vidraças que abrigam suas ofertas. Via transparente, onde há bloqueio físico em
relação ao tocar... Desperta a sua visão embaçada e provoca um certo desejo.
É
o casal despojado que aponta para algo que encanta, do outro lado há crianças
rindo e outras chorando, um estimulo atrás do outro, seus pais, cansados. Logo
ali, um grupo de amigos na expectativa do filme que irá entretê-los, com o
antigo herói redundante. A fome que em todo momento parece surgir, através do cheiro e não do que gosto, enquanto avisto uma mulher que de desgosto busca encontrar em mais um par de sapatos um pequeno alivio de seu vazio. Já uma outra, lembra precisar de algo que não precisava mais. Multidão perdida em suas
profundas solidões, consumidos por aquilo que promete preenchê-los ou torná-los
melhores: mais belos, populares, descontraídos, ... enfim felizes!
Mas,
caminho sem destino, perdida na matéria e no espaço, não encontrando amparo nas
janelas do desejo. Quem sabe não questionar, apenas entrar nos trilhos, seguir
esse fluxo frenético, buscando alimentar a caldeira que consome internamente as
aflições. Deixando-me levar pelo brilho da joia que enfeita, aproximando
daqueles que sofrem, da orquestra desarmônica que se movimenta, como as escadas
que inibem os passos.
By Sandra Kato